A IMPORTÂNCIA DE AÇÕES INTERSETORIAIS COMO ESTRATÉGIA PARA A PROMOÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM A SÍNDROME CONGÊNITA DO ZIKA VÍRUS (SCZV)

Marcia Denise Pletsch2
Patricia Cardoso Macedo do Amaral Araujo
Maíra Gomes de Souza

Resumo:

Este artigo apresenta resultados de uma investigação qualitativa sobre a escolarização de crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV). A pesquisa qualitativa foi realizada durante um Programa de Formação Continuada para profissionais da educação de uma rede municipal de educação da Baixada Fluminense/RJ. Como procedimentos de coleta de dados, aplicamos questionários e entrevistas semiestruturados. Além disso, usamos registros realizados pelos participantes numa plataforma digital utilizada durante o Programa, bem como portfólios contendo a trajetória formativa de cada um dos cerca de 50 participantes. Os resultados, analisados à luz da perspectiva histórico- cultural, evidenciaram a importância do Programa para a qualificação dos participantes, bem como a centralidade da colaboração dos professores da classe comum com os suportes especializados oferecidos na rede de ensino para os alunos com SCZV. Também mostram a necessidade de ações intersetoriais para atender às demandas educacionais, sociais e de saúde das crianças com SCZV para o seu desenvolvimento integral.

Acho que o esforço de todos foi muito intenso, foi grande. A gente via o empenho da turma toda, e o que eu apreciei foi essa chance, da gente estar envolvido com alguma coisa produtiva.

O legal que a gente olha para trás e vê assim, 2020 existiu, né? Toda vez que a gente abria a sala de aula a gente lembrava disso, porque o mundo todo parou3.

As pessoas constituem-se em uma determinada sociedade, sendo que, nessa constituição, aspectos da própria sociedade tornam-se parte delas. Elas estão/são/fazem-se inseridas na multiplicidade de possibilidades socialmente existentes e participam delas, na sua “esfera particular”, na sua especificidade. Essa participação é, ao mesmo tempo, específica, singular, pois diz respeito a uma determinada pessoa, e, também, social, coletiva. É na coletividade, nas práticas socialmente partilhadas, que a especificidade é constituída (KASSAR, 1999, p. 101).

 

Desde 2012, o Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional (ObEE/UFRRJ)4 tem desenvolvido projetos de pesquisa sobre deficiência múltipla, focando principalmente aspectos conceituais, pedagógicos e de suporte educacional. A partir dos resultados destas investigações, em 2018, iniciou uma investigação sobre a chegada de crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (PLETSCH, 2018; 2019) em escolas públicas da Baixada Fluminense.

No Brasil, as primeiras ocorrências da SCZV foram entre 2015 e 2016, quando centenas de crianças nasceram com esta síndrome após suas mães serem infectadas pelo zika vírus. Este vírus é transmitido pelo mosquito aedes aegypti que é um agente que espalha inúmeras doenças como dengue e chikungunya. Esse acometimento nas gestantes causou, entre

outras alterações de desenvolvimento, a microcefalia nos bebês (DINIZ, 2016; MCNEIL, 2016; FLEISCHER; LIMA, 2020; PLETSCH E MENDES, 2020).

Em artigo recente mencionamos os estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) que mostram que as crianças infectadas pelo zika vírus podem, também, ter o sistema nervoso central afetado, apresentando epilepsia, deficiência auditiva e  visual, prejuízo  no desenvolvimento psicomotor, bem como efeitos negativos sobre ossos e articulações (PLETSCH E MENDES, 2020). Um dos principais comprometimentos que tem sido identificado é relacionado ao desenvolvimento da linguagem (NIELSEN- SAINES, ET AL, 2019). Uma reportagem publicada na Revista FAPESP, ao citar pesquisadores da Fiocruz (2020), indica que uma parte das crianças afetadas pelo zika vírus nasceu com microcefalia e, em decorrência disso, apresentam deficiência múltipla. Em geral, a microcefalia provocada pelo SCZV leva a um quadro de combinação de deficiências primárias (deficiência intelectual, visual e/ou motora) com desdobramentos que impactam diretamente na autonomia, comunicação em demandas no desenvolvimento dessas crianças.

Os estudos do ObEE vêm defendendo que a deficiência múltipla é a associação de duas ou mais deficiências primárias – podendo ser física/motora; sensorial ou intelectual – num mesmo sujeito, afetando em maior ou menor intensidade o seu desenvolvimento (ROCHA; PLETSCH, 2015; 2018). Assim, consideramos que os quadros das crianças com microcefalia em decorrência da SCZV são casos de deficiência múltipla.

Cabe mencionar que na literatura internacional existem diferentes definições sobre a deficiência múltipla, indicando falta de consenso em determinar as características deste tipo de deficiência (TEIXEIRA; NAGLIATE, 2009; ROCHA, 2014).

Apesar das discussões em relação às inúmeras interpretações sobre a deficiência múltipla, acreditamos que é possível encontrar  proficuidade  de  ideias  e  possibilitar  progressos, pois “o conhecimento científico vai sendo construído no movimento da sociedade, buscando (ou não) soluções para diversos problemas, respondendo a diferentes interesses” (KASSAR, 1999, p. 16). Assim, as demandas que agora surgem pelas necessidades apresentadas por estas crianças com SCZV, nos confirmam que é por meio dessa construção de conhecimento que iremos avançar para a garantia de direitos e para a promoção do desenvolvimento e participação não apenas nos ambientes escolares, mas na sociedade.

Tendo em vista as especificidades de desenvolvimento que uma criança com deficiência múltipla em decorrência da SCZV possa ter, oportunidades educacionais devem ser propiciadas o mais cedo possível e contemplar experiências que favoreçam o seu desenvolvimento integral como mostra a pesquisa de Sá et al (2019). Nesse sentido, a investigação de Rocha (2014) que acompanhou alunos com deficiência múltipla mostrou as potencialidades de desenvolvimento desses, sobretudo com comprometimentos mais severos, desde que tenham a sua disposição recursos e suportes que beneficiem os processos de ensino e aprendizagem.

Em 2018, Rocha analisou a escolarização de alunos também com múltiplas deficiências, mas desta vez em classes especiais e no ensino comum com o suporte do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Os dados deste estudo evidenciaram a proficuidade das interações no ensino comum, sendo imprescindível a garantia de recursos pertinentes às necessidades educacionais dos alunos como, por exemplo, materiais específicos como de tecnologias assistivas tanto para a prática pedagógica quanto para segurança, conforto e acessibilidade nos ambientes escolares. Entretanto, a pesquisa mostrou que não basta a presença de recursos no ambiente escolar: os materiais devem ser utilizados com base em ações planejadas e os recursos humanos precisam trabalhar de forma qualitativa e colaborativa. As fragilidades na formação de recursos humanos, em especial de professores sobre as demandas  educacionais  desses  alunos  ficaram  fortemente evidenciadas na pesquisa de Rocha (2018) e também em investigação mais ampla desenvolvida pelos pesquisadores do ObEE (PLETSCH, 2015).

Considerando estes resultados e as especificações apresentadas por crianças com a SCZV, desenvolvemos um Programa Piloto de Formação Continuada para profissionais de educação de uma rede Municipal de Ensino da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, para aproximadamente 50 participantes: professores de turmas comuns da Educação Infantil, professores de AEE, orientadores educacionais, coordenadores pedagógicos, diretores escolares e agentes de apoio à inclusão5 da área da saúde e da educação. O Programa iniciou em formato presencial e, em decorrência da pandemia mundial provocada pelo novo “coronavírus” (SARS-CoV-2), declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, passou a ser desenvolvido em formato online com atividades síncronas via plataforma Zoom e assíncronas via plataforma digital online do Facebook, no período de fevereiro de 2020 a outubro de 2020. Foram um total de 120 horas de atividades síncronas e assíncronas, registradas na Pró-reitora de Extensão da UFRRJ para fim de certificação dos participantes.

Importante mencionar que o Programa de Formação Continuada integra uma das fases do projeto multidisciplinar que articula pesquisadores de diferentes instituições (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ; Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC- Rio; Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC; Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ; Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP; e Instituto Fernandes Figueira – IFF) para desenvolver estudos e ações intersetoriais entre educação, saúde e assistência social na promoção da escolarização e do desenvolvimento de crianças com SCZV na Baixada Fluminense (PLETSCH, 2018; 2019).

O Programa de Formação Continuada foi estruturado de forma colaborativa com a equipe gestora da Rede participante tomando como base as demandas apresentadas pelas equipes escolares que receberam em suas turmas de Educação Infantil, nos anos de 2019 e 2020, crianças com a SCZV em diálogo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 2009 (DCNEI) – Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009) e Propostas Curriculares de Educação Infantil da rede de ensino pesquisada (2012). A seguir, sistematizamos os temas abordados durante as atividades com os participantes do Programa de Formação Continuada:

Fluxograma 1. Temas abordados no Programa de Formação Continuada

 

Fonte: Elaborado pela equipe ObEE (2019)

Para sistematizar/estruturar os dados foram empregados diferentes procedimentos: questionários presenciais e online, entrevistas semiestruturadas online, registros na plataforma digital online do Facebook e  portfólios  com  os  registros dos participantes sobre o seu próprio processo formativo. Para a análise desse conjunto de informações optamos pela organização de eixos temáticos focando, neste artigo, a colaboração e a intersetorialidade como ações necessárias para garantir o direito de aprender destas crianças.

A discussão dos dados está ancorada na perspectiva histórico-cultural de Vigotski (1997; 2000), que defende a ideia de que as “condições sócio-histórico-culturais e políticas são fonte/meio de desenvolvimento que se constrói no trabalho coletivo, o que viabiliza a organização da atividade psíquica” (SOUZA; DAINEZ, 2020, p. 5). Em outros termos, compreendemos que a ação colaborativa entre os diferentes participantes do Programa de Formação Continuada foi decisiva para construir indicadores sobre as possibilidades para a escolarização de crianças com SCZV, a partir de estratégias orquestradas pela escola.

DIREITO DE APRENDER: AÇÕES INTERSETORIAIS NECESSÁRIAS PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS COM SCZV

Apesar de ser um assunto contemporâneo e urgente, os processos educacionais e de desenvolvimento de crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV) ainda foram pouco explorados no campo da Educação e o maior número de pesquisas encontradas vêm sendo realizadas na área da saúde. Sá et al (2019) alertam “suas necessidades ultrapassam as respostas oferecidas pelo sistema de saúde. Necessitam de ações intersetoriais, de políticas compensatórias inclusivas que enfrentem processos de vulnerabilidade” (p. 2). Defendemos que  o  entrelaçamento  desses  dois  grandes  campos  do conhecimento  pode  ser  capaz  de  proporcionar  resultados relevantes e indispensáveis para a escolarização desse público.

Ainda que encarado como um “novo” grupo, as crianças acometidas pela SCZV são essencialmente e apenas crianças. As Diretrizes Nacionais de Educação Infantil em seu Artigo 4º, já definiam criança como:

Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009).

Portanto, as crianças com SCZV devem legitimamente desfrutar do direito a aprender, como garantia daquilo que permite a cada sujeito a experimentação progressiva de sua liberdade, o desdobramento das suas potências amparado no respeito de suas singularidades e vistas a partir da perspectiva dos Direitos Humanos, tendo a inclusão escolar como base de uma educação democrática, desenvolvida com e na diversidade cultural e a pluralidade cognitiva (PLETSCH, 2020). Nesse ínterim, é que a Educação Infantil se apresenta, para além do olhar que cuida, mas sim do cenário que também ensina e, ensina a partir de práticas pedagógicas com formação técnica e de qualidade (ARAUJO, 2020)6.

Visando atender essas demandas, nossa pesquisa lançou mão da colaboração e da intersetorialidade como pressupostos metodológicos, também tomando-as como ações necessárias para o trabalho com crianças com SCZV, sobretudo, na educação e saúde. Dessa maneira, todo o desenvolvimento do Programa foi conduzido tomando como base premissas como a escuta, a observação, a análise e a proposição por meio da participação ativa de todos os envolvidos. A colaboração entre profissionais da classe comum e especializados para efetivar propostas educativas mais inclusivas está presente na Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e nas Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade de Educação Especial, pela Resolução nº 4 de 2009 (BRASIL, 2009b).

A colaboração enquanto premissa metodológica e pedagógica também tem sido destaque na literatura nacional e internacional (COOK; FRIEND, 1995; BEYER, 2006; MENDES; ALMEIDA; TOYODA, 2011; CUNHA; SIEBERT, 2009; MENDES, VILARONGA E ZERBATO,

2014; BRAUN E MARIM, 2016). A pesquisa de Macedo (2016) apresenta também a proposta do ensino colaborativo na sala de aula comum como:

[…] uma estratégia para favorecer o desenvolvimento pessoal e profissional dos estudantes e dos professores, além de potencializar a qualidade da inclusão escolar. Chamamos por trabalho docente articulado aquele realizado pelo professor do ensino comum em conjunto com o professor da Educação Especial ou com o apoio de um mediador (estagiário, bolsista, estudante de  Pedagogia  ou  professor  formado com experiência no atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais) (p.45).

A ação colaborativa entre os profissionais envolvidos no processo de escolarização de pessoas com deficiências indica a criação de “[…] opções para aprender e prover apoio a todos os alunos na sala de aula do ensino regular, considerando importante a atuação de dois ou mais profissionais dando instruções em um mesmo espaço físico” (MACEDO, 2016, p.46). Os professores estão se apropriando gradativamente dessas novas práticas presentes na literatura e legislação específicas. Contudo, quando falamos da escolarização de crianças com SCZV compreendemos que os atos pedagógicos carecem de maior articulação desses profissionais com outros atores educacionais, da saúde e assistência social.

Nossa pesquisa, evidenciou que  essa  articulação  é de suma importância, sobretudo por fortalecer as redes de apoio necessárias para garantir o atendimento integral das especificidades destas crianças na Educação Infantil. Os dados revelaram que, o suporte articulado de profissionais como, por  exemplo,  fonoaudiólogos,  fisioterapeutas  e  terapeutas ocupacionais com os profissionais da educação é fundamental nesta etapa. A pesquisa de Sá et al (2019) já havia sinalizado para essa direção. Vejamos:

Destaca-se que saúde e  educação  não  podem ser dissociadas, caminham juntas e se articulam enquanto práticas sociais para favorecer a qualidade de vida e inclusão social, no entanto é preciso investir em processos permanentes de pactuação, negociação e, por que não dizer, formação permanente (p.9).

Sobre essa indispensável articulação entre os setores, temos a narração da Gestora Flora (nome fictício):

(…) a partir da chegada de uma criança com SCZV em uma das nossas escolas é que vimos a importância de buscar essas crianças que até este momento estavam  somente  nas  notificações da saúde e da assistência social (…) foi em parceria com a saúde e a assistência social, nesse trabalho intersetorial, que nós fomos buscar essas famílias para trazer essas crianças para escola (Em entrevista, 29 de outubro de 2020).

A fala da gestora revela a importância da articulação com a assistência social e a saúde junto as famílias de crianças com SCZV para matriculá-las na escola de Educação Infantil. A gestora também falou da importância do suporte especializado em sala de aula por meio do profissional de apoio à inclusão. Vale lembrar que muitas crianças com a SCZV apresentam além da deficiência múltipla também fragilidades de saúde, como por exemplo, a necessidade de uso de sonda gástrica para se  alimentar  (BRITO,  2019).  Isso  demanda  apoios e intervenções para além da atuação docente. Ou seja, profissionais da saúde precisam apoiar a estada da criança com essa demanda na escola. Por isso, a Rede de Ensino participante da pesquisa contratou agentes de apoio à inclusão também da área de enfermagem para garantir a permanência delas na escola. Para a gestora, a chegada desse profissional pode ser vista como um ponto decisivo no atendimento à essas crianças:

Acabou que a gente concluiu 2019, com 22 crianças com a SCZV matriculadas o que não foi um processo fácil, porque a gente estava concluindo a contratação dos profissionais de apoio para garantir que esses alunos pudessem chegar na escola já com esse profissional tendo em vista as especificidades do suporte em sala de aula e tranquilizar as famílias (Entrevista, em 29 de outubro de 2020, grifo nosso).

Os dados da pesquisa desenvolvida durante o Programa de Formação Continuada sugerem, preliminarmente, que a perspectiva da intersetorialidade começou a se fazer presente nas discussões das professoras participantes e no planejamento de suas aulas. Uma de nossas hipóteses, ainda em processo de investigação, é a de que a inclusão destas crianças em turmas comuns de ensino, com os devidos suportes, favorece o seu bem estar e, consequentemente, melhora a sua escolarização e as suas condições de saúde. Nesse sentido, propor ações intersetoriais tomando como referência o modelo social de deficiência e a funcionalidade humana para o desenvolvimento integral das crianças que foram afetadas pela epidemia do zika vírus requer repensar o papel da escola como espaço por excelência de sua orquestração. Uma das professoras expôs sua satisfação ao dizer que:

“Em cada aula eu ficava mais maravilhada. E assim, a gente descobriu que a gente não precisa de muita coisa para poder atender uma criança com suas características especiais. Eu descobri que com uma calça jeans velha, eu posso fazer um apoio para uma criança sentar e ter uma postura para poder ficar igual os outros alunos me vendo dando aula, isso eu nunca imaginei7. Porque a Criança com SCZV sentar antes de essa orientação da fisioterapeuta demanda alguém segurando-a para que ela pudesse ter uma melhor postura e acompanhar as atividades”.

Ela se sentia incomodada porque tinha alguém segurando e hoje eu sei que eu posso oferecer em parceria com a fisioterapeuta mais independência para a criança (Em entrevista, 29 de outubro de 2020)

A proposta de ações colaborativas com sistemas de suporte/apoios foi apresentada também por Rocha (2018) e Rocha e Pletsch (2018) como uma importante medida no  trabalho  com  crianças  com  deficiências   múltiplas não oralizadas. Nesse sentido, nossa pesquisa ao adotar como princípio  a  pesquisa  colaborativa  contribuiu  para a formação continuada dos participantes, aproximou a universidade e a escola e favoreceu a reflexão necessária sobre o desenvolvimento de propostas  intersetoriais.  A  validade do Programa e suas opções metodológicas foi mencionada por uma das participantes ao salientar o fato de todos os profissionais que lidam diretamente com a criança com SCZV terem sido comtemplados, possibilitando o diálogo da equipe e a capacitação colaborativa e coletiva:

Como vocês abriram pra  todos  os  funcionários foi importante. Todos os envolvido com a criança com SCZV foi rico porque eu pude trocar com a agente de apoio a inclusão que trabalha com uma criança com SCZV. Pude trocar com a professora. Percepções de como a gente poderia usar aquilo para melhorar a qualidade do que a gente estava oferecendo para a criança em sala de aula. Quando a gente voltar para as atividades presenciais vamos colocar isso tudo em prática (Em entrevista, 29 de outubro de 2020).

Como podemos depreender nesta fala, a opção epistemológica e metodológica de ação colaborativa desencadeou movimentos de reflexão e melhora da prática pedagógica dos participantes do Programa de Formação Continuada como também foi destaque na fala de uma outra participante ao dizer que “quando você faz junto com outro, então aí a importância de vocês terem aberto curso para todo mundo que tivesse envolvido com a criança é diferente” (Em entrevista, 29 de outubro de 2020).

Para concluir, podemos sistematizar os dados encontrados neste artigo a partir de duas questões centrais. A primeira diz respeito a perspectiva metodológica usada no Programa de Formação Continuada, o qual focalizou em produzir conhecimento com os atores participantes e não sobre eles e suas ações educativas. Para Ibiapina (2008) essa perspectiva calcada “em decisões e análises construídas por meio de negociações coletivas, tornam-se co-parceiros, co-usuários e co-autores de processos investigativos delineados a partir da participação ativa, consciente e deliberada” (p.26) de todos os envolvidos favorece a construção coletiva de conhecimento e de intervenções necessárias para mudar determinada realidade.

A segunda trata da importância de propostas intersetoriais, que apesar de ainda inexistentes ou precárias, na perspectiva das participantes é fundamental para o desenvolvimento integral de crianças acometidas pela SCZV. No questionário aplicado, mais de 70% dos participantes entende que é extremamente importante a atuação entre profissionais da educação e da saúde para o desenvolvimento crianças com SCZV.

Os dados aqui apresentados integram uma pesquisa maior, ainda em andamento. No entanto, já podemos afirmar que o direito de aprender de crianças com a SCZV requer respostas urgentes e intersetoriais por parte do Estado, além de  investimentos na pesquisa científica que subsidiem programas de desenvolvimento integral que envolvam os profissionais que atuam com essas crianças, elas mesmas e suas famílias.

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Por iampli
em 21 de novembro de 2022

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